- 26 de abr. de 2019
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Por Rharmanna Fraiz.
No início da década de 1980, principalmente nos Estados Unidos, não haviam muitas bandas que representassem bem o sentimento da juventude da época. O Glam Rock já não era há tempos uma novidade e seu estilo chamativo já não captava mais tanta atenção. O Punk perdia as forças e o Heavy Metal tinha se tornado perfeccionista demais; bandas como Iron Maiden e Kiss chegavam a ensaiar horas a fio antes de um show, perdendo um pouco da espontaneidade que a juventude desejava. Essas bandas não deixaram de ser apreciadas, longe disso! Apenas buscava-se algo novo, diferente de tudo. As heranças da Woodstock e o movimento Hippie não agradavam mais, os jovens não queriam mais "Paz e Amor", eles estavam raivosos e em busca de algo que os ajudasse a expressar isso. Em meio a todos esses fatores sociais, culturais e musicais junto a uma crise econômica norte-americana, surge o Grunge...

Grunge. De imediato, quando ouvimos essa [linda] palavrinha, associamos quase que automaticamente ao Nirvana ou ainda ao seu icônico vocalista, Kurt Cobain, mas, a história do Grunge vem um pouco antes disso... Primeiro, acho interessante explicar a origem da palavra, afinal de contas, o que significa Grunge? Por mais incrível (e nojento) que pareça, a palavra "grunge" significa "sujeira". Isso mesmo: sujo, imundo, mal-cheiroso. Deriva da palavra "grungy", um jargão utilizado nos Estados Unidos naquela época.
Voltando à história do Grunge, ele é considerado um subgênero do Rock Alternativo e tem suas raízes bem fixadas em Seattle. Há quem diga que o clima de lá influenciou diretamente no estilo, pois mais de 220 dias do ano são nublados e chuvosos, o que ajudou a motivar algumas letras melancólicas e a transmissão de um sentimento de tédio. As inspirações do Grunge são principalmente o Hardcore, o Punk e ainda o Heavy Metal. A mistura de tudo isso teve um resultado inusitado e muito diferenciado. O Grunge deu seus primeiros passos através de duas bandas: Soundgarden e Green River. Possivelmente se você é um fã de Grunge (como nós <3) já ouviu falar de Soundgarden, mas Green River não ficou tão conhecida (acredite você ou não) o que foi fundamental para que o Grunge se consolidasse. A partir de Green River nasceram duas bandas, conhecidíssimas e importantíssimas para o gênero: Mudhoney e Mother Love Bone. Da banda Mother Love Bone nasceu o projeto Temple of the Dog, e eis que surge um dos "protagonistas" do Grunge: nosso querido e gatíssimo Eddie Vedder.

Outro marco importantíssimo na história do Grunge é a gravadora Sub Pop que era praticamente sinônimo do gênero. Fundada em 1986, ficou muito famosa por ser a primeira a aceitar bandas totalmente desconhecidas e torná-las famosas. O influente selo foi responsável por lançamentos iniciais de bandas como Soundgreen, Nirvana, Mudhoney e também por suas adoráveis cartas para quem não conseguia gravar o selo. Segue um trecho:

"Querido perdedor,
Obrigado por mandar as suas demos para consideração da Sub Pop. No momento, a sua demo é uma entre a imensa quantidade de materiais louváveis que recebemos todos os dias no Quartel General Mundial da Sub Pop e está (devido a restrições de tempo e volume) no seu caminho pelo grande intestino que é o processo de aquisição de talentos.
Apreciamos o seu interesse pela Sub Pop e desejamos tudo de melhor na sua busca.
Saudações."
NOTA: Nós do Rock 'n' History sinceramente acreditamos que quem foi rejeitado pelo menos não saiu se sentindo tão mal quanto poderia, não concordam? HAHAHAHAHA.
Enfim, chegam os anos 1990, e com ele um loirinho, magrinho, de olhos azuis e aparência frágil, vindo de uma minúscula cidade madeireira e ganhando as graças da galera: Kurt Cobain. O sensível vocalista do Nirvana aparentemente conseguia agradar gregos e troianos com o seu som. No documentário Back and Forth de James Moll, produzido em 2011, o ex-integrante do Nirvana (e atual líder do Foo Fighters), Dave Grohl, afirma mais ou menos assim:
"Eu fiquei espantado com o sucesso da banda. Quando ia aos shows comecei a perceber que até os atletas curtiam nosso som, eu fiquei chocado, pois esse era o mesmo tipo de cara que costumava me bater no colégio por curtir esse tipo de música." (Tradução livre).
O sucesso do Nirvana veio com o lançamento do clássico Nevermind, de 1991. Smells Like Teen Spirit (SLTS) tocava incansavelmente nas rádios, a MTV não parava de passar conteúdos da banda e era um sucesso absoluto. A venda de discos deslanchou, tirando o Grunge do Underground [assunto para outro post!], ganhando as prateleiras das maiores lojas de discos do mundo e inclusive rebaixando Michael Jackson, pois SLTS ficou em 1º lugar na Billboard em 1992.

Outra coisa interessante de se pensar é que o Grunge não apenas influenciou e mudou o mundo da música, seu estilo "diferentão" conquistou o mundo da moda e até hoje reinam as camisas xadrez de flanela, as calças jeans rasgadas nos joelhos, acompanhadas do nosso inseparável All Star. Também vale destacar que o estilo meio "sujinho" que deu origem ao nome também se aplicava aos músicos que pareciam estar em guerra permanente com o shampoo e em perfeita sintonia com os cabelos compridos, a barba por fazer (que até hoje agradam) eram marcas registradas. No cenário cultural, Kurt teve um grande destaque, defendendo as mulheres, criticando os racistas e homofóbicos, o que pode ser confirmado em sua biografia Heavier than Heaven (2001) pois suas frases clássicas como "God is Gay" e "Homo Sex Rules" eram a todo tempo encontradas pichadas em Aberdeen, onde o astro nasceu. Além dessas, outras duas frases tiveram particular impacto nesse sentido. Em entrevista de 1993, Cobain revela:
"Como eu não conseguia encontrar nenhum bom amigo que fosse homem, eu costumava andar só com meninas, e eu sempre senti que elas não eram tratadas igualmente, não eram tratadas com respeito no jeito em que Aberdeen tratava as mulheres. Elas eram completamente oprimidas, palavras como 'bitch' e 'cunt' eram faladas toda hora."
"Eu sempre fui uma pessoa muito feminina, então eu inclusive achei que fosse gay por um bom tempo porque não achava nenhuma das meninas na minha escola atraente e tal (...) Mas eu sou definitivamente gay em espírito e poderia ser bissexual."
"Se qualquer um de vocês odeia homossexuais, pessoas de cores diferentes ou mulheres, por favor, nos faça esse favor: nos deixe sozinhos, porra! Não venha aos nossos shows e não compre os nossos álbuns."
Depois do grande sucesso do Nirvana outras bandas do mesmo estilo começaram a se destacar. Ten, álbum do Pearl Jam chegou ao 2º lugar na Billboard. Recebe destaque também Dirt, do super original Alice in Chains e ainda Badmotorfinger, do Soundgreen, que estava na lista dos mais vendidos em 1992. O Grunge havia se tornado um monstro do Rock e toda essa fama fez com que a revista Rolling Stone apelidasse Seattle de "nova Liverpool", um trocadilho com a cidade natal dos Beatles.

Mas, nem tudo são flores no universo Grunge e muitos ainda falam que esse estilo musical estava fadado ao fim desde o seu início, pois a fuga do mainstream¹ eram quase um dos preceitos do gênero, o que eventualmente aconteceu. Além disso, o grande consumo de drogas e álcool, a depressão que atingia muitos artistas, bem como o amadurecimento musical foram, de certa forma, extinguindo o Grunge. A morte de Kurt em 1994 deixou o mundo chocado e no mesmo ano o Pearl Jam cancelou uma turnê enorme. Dois anos depois o Alice in Chains ficou sem seu vocalista. Tudo isso somado à separação do Soundgreen colocou o Grunge para dormir. Mas será que esse estilo está realmente morto?
Bom, quase todos os dias, se vocês repararem bem, vão encontrar algum adolescente com aquela clássica camiseta do Nirvana pelas ruas ou ainda passará na frente de uma universidade e verá alguém com um botton onde está desenhado o bonequinho do Pearl Jam, que ainda se mantém na ativa. As influências do Grunge estão presentes em muitas bandas e acima de tudo, enquanto ainda estiver rolando um In Utero² em nossos fones de ouvido, o Grunge se manterá vivo.
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¹ O conceito de mainstream está intimamente ligado com a música e representa algo que é comercializado com certo sucesso. O oposto do mainstream é o underground, que implica pouca visibilidade e reconhecimento, no entanto, uma banda que atua no underground pode se tornar mainstream ao alcançar sucesso.
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AS FONTES:
CROSS, Charles R. Kurt Cobain: A construção do mito. Rio de Janeiro: Agir, 2014.
CROSS, Charles R. Mais pesado que o céu. São Paulo: Globo, 2002.