Entre Provérbios e Ensinamentos: Uma Obra de Arte como Espelho Atemporal da Sociedade.
- Rock and History
- 12 de abr. de 2019
- 7 min de leitura
Por Mariana Moreira e Rharmanna Fraiz.
Hoje o Rock and History traz para vocês uma combinação poderosa de ensinamentos que encontramos através de uma combinação entre história, arte e provérbios. Vamos falar da obra Provérbios Flamengos, de 1559:

Pieter Bruegel, conhecido como "o Velho", foi um pintor da região atualmente conhecida como Países Baixos e viveu no século XVI, mais especificamente entre os anos 1525 e 1569. O título de "o Velho" se popularizou para que ele pudesse ser diferenciado de seu filho mais velho que tinha o mesmo nome do pai, coisa muito comum na época. Não existem muitos documentos que falem sobre a sua carreira, mas, através da tradição popular podemos perceber que Bruegel foi um homem com alguma cultura. É considerado um dos melhores pintores flamengos de seu século e suas obras ficaram marcadas pelas representações de paisagens. Antes dele, as paisagens e figuras do campo eram aspectos secundários das obras, mas Bruegel mudou isso, trazendo protagonismo para cenas corriqueiras, o que foi uma quebra de paradigmas para o período. Outra curiosidade a respeito do artista é que mesmo tendo uma condição financeira elevada para os padrões da época, Bruegel gostava de se "misturar" com o povo, vestindo-se como um camponês com o propósito de entender o cotidiano e a vida no campo, sem que fosse tratado de maneira diferenciada como uma pessoa de classe abastada. Essas incursões ao campo foram importantes para as produções artísticas de Bruegel.

Além de Provérbios Flamengos, vale a pena destacar outras duas obras importantes da carreira de Bruegel:


O século XVI foi marcado pelas Grandes Navegações, pela criação de rotas comerciais marítimas e também pelo descobrimento do chamado "Novo Mundo", onde inúmeras localidades se tornaram colônias portuguesas e espanholas (inclusive o Brasil). Na Europa, foi um período marcado pela Reforma Protestante, constantes avanços na ciência e mudanças significativas na sociedade. Na realidade desta época, os provérbios eram um meio de expressão muito comum e importante, muitas vezes expostos visualmente, como é o caso dos Provérbios Flamengos. Essa obra de Bruegel teve a intenção de entreter, mas também de instruir. Podemos observar que ele conseguiu fazer isso com muito sucesso, criando uma forma de visualizar o mundo especialmente no sentido moral. É interessante ver a contemporaneidade da obra deste artista, afinal, sobreviveu a inúmeras gerações e é sempre possível ter a sensação de que ela se refere às questões e às realidades do nosso próprio tempo.
Trata-se de uma obra repleta dos mais variados simbolismos, precisaríamos de muitos posts para falar de todas as expressões que podemos encontrar neste quadro (são mais de cem!) por isso, o Rock'n'History fez um levantamento de 10 provérbios que conhecemos atualmente para explicar de forma mais detalhada:


1. Ser capaz de amarrar até o diabo em um travesseiro: Quando imaginamos alguém amarrando o diabo em um travesseiro soa uma atividade perigosa e especialmente corajosa. Podemos traduzir essa ação como a definição de que a obstinação supera tudo e ainda fazer uma conexão com a expressão "tarefa hercúlea", que significa a realização de um trabalho impossível ou extremamente perigoso. Na mitologia grega, Hércules era filho de Zeus e normalmente conhecido pela realização de 12 trabalhos que o levaram ao extremo, física e geograficamente. Portanto, uma tarefa hercúlea é sinônimo de uma empreitada difícil.

2. Nunca acreditar em quem carrega fogo com uma mão e água com a outra: Carregar fogo e água ao mesmo tempo soa um tanto quanto controverso, não é mesmo? E é justamente esse sentido que temos nessa expressão popular; trata-se de uma pessoa hipócrita ou também o conhecido "duas-caras". Existe outro dito popular usado como "cara de Jano" e significa a mesma coisa. Jano era um deus romano que possuía duas caras: uma na frente da cabeça, que olhava para o futuro e outra atrás, que olhava para o passado. Jano era associado aos começos, aos fins e também às profecias e guerras. Diziam que seu templo só poderia ser fechado quando Roma estivesse em completa paz, o que aconteceu poucas vezes durante a antiguidade. Para quem curte a série Harry Potter, o professor Quirrell é um ótimo exemplo de "cara de Jano" quando estava carregando Lord Voldemort em seu próprio corpo.

3. Fritar todo o arenque por causa das ovas: A interpretação desse provérbio é literalmente muito trabalho para pouca recompensa! O interessante é que essa imagem também corresponde a um outro provérbio que diz "o arenque não frita aqui", que significa que as coisas não estão saindo como o planejado. Bom, se as coisas não estão saindo de acordo com o plano, calcule se o esforço vale a pena, às vezes vale mais a pena traçar outra estratégia ou fritar um novo arenque. Para os curiosos, arenque é um peixe bem gordinho e saboroso, normalmente encontrado no Mar Báltico (Europa).

4. Isso depende de como as cartas vão cair: Quem nunca pensou em deixar a vida levar um pouco? É exatamente isso que esse provérbio significa, deixar que a sorte escolha por você, se eximir um pouco das decisões e culpas. Na medida certa, isso pode ser muito benéfico, mas todos sempre ouvimos que não devemos abusar da sorte. Como as cartas irão cair é um exemplo muito interessante da vida no campo naquele período, pois dependendo principalmente das colheitas e do clima, muitas vezes o destino e o sustento de quem vivia no campo não dependia apenas do trabalho pesado, mas sim da sorte.

5. Se casar sob a vassoura: Por mais curioso que isso seja, se casar sob a vassoura é simplesmente viver juntos sem ser casado. Na época tal comportamento era reprovável e considerado indigno, causando muitos comentários por parte da sociedade e da religião. Em algumas culturas (desde os celtas até os ciganos), logo após o casamento, existia uma tradição chamada "saltar a vassoura". Atualmente essa prática é mais comum no continente africano, pois é uma ação herdada da triste época da escravidão, quando a união entre escravos era proibida e devido a essa questão os casais pulavam uma vassoura juntos para selar a união. Hoje em dia "pular a vassoura" também simboliza vida próspera e recomeço para casais.

6. Ser um apalpador de galinhas: Essa é a famosa expressão que também pode ser traduzida em contar com o ovo antes que a galinha o bote, ou seja, depender e contar com um resultado incerto. Podemos também através dessa imagem lembrar da estória infantil da gansa dos ovos de ouro, onde um casal era dono de uma ave que botava ovos de ouro, no entanto, com a ganância de possuir mais coisas com mais rapidez e contando com a sorte, abriram a barriga da gansa para descobrir que se tratava de um animal completamente comum. Contaram com a sorte, com um resultado incerto e acabaram sem riqueza nenhuma.

7. Jogar rosas aos porcos: Significa desperdiçar esforços com quem não nos valoriza (quem nunca? Hahahaha). O curioso desse provérbio é a sua origem bíblica, pois em Mateus 7:6 fala que não devemos jogar pérolas aos porcos e nem coisas sagradas aos cães. Ou seja, devemos guardar as coisas boas, como nosso tempo, nosso esforço e nosso carinho para quem merece. Há quem diga que devemos guardar também nossos conhecimentos para compartilhar apenas com quem está preparado ou interessado em aprender, caso contrário, trata-se de uma tarefa inútil. O porco era considerado um animal impuro naquele período, neste sentido, podemos concluir que quem dava rosas/riquezas para os "porcos" (seja em sua representação real ou figurada) além de perder seu tempo, perdia também a pureza. Afinal, diga-me com quem tu andas que te direi quem és, não é mesmo? Ou melhor: diga-me com quem compartilha suas pérolas e te direi quem és!

8. Ela coloca o manto azul em seu marido: Este provérbio fica bem no centro do quadro e talvez seja um dos mais importantes aqui analisados. Historicamente, azul é a cor da traição, ou seja, a mulher da imagem, que parece tão carinhosa e solícita está na verdade traindo o seu esposo. Ainda sobre cores, a mulher usa um bonito vestido vermelho e essa cor está relacionada com o pecado e com a luxúria. Além disso, podemos perceber que as condições financeiras do casal não são das piores, pois eles usam bons tecidos e ela ostenta um colar. O fato do homem parecer ser mais velho (pelo uso da bengala e pela sua posição) pode sugerir que ela se casou por interesse e agora o trai. O nome original deste quadro é "O Manto Azul" e talvez esse seja o motivo pelo qual Bruegel colocou esse provérbio em destaque.

9. Se confessar para o diabo: A figura do diabo normalmente é associada a algo ruim, a um inimigo, portanto, ao vermos esse homem se confessando a um ser considerado maligno temos a impressão de que ele está contando segredos para alguém que não devia, afinal, o conhecimento popular nos revela que temos que tomar muito cuidado para quem revelamos nossas coisas, especialmente as fraquezas. Através dessa expressão podemos também estabelecer conexões com uma das fábulas de esopo que conta a relação de um lobo com uma cabra, onde o lobo gentilmente tenta convencer a cabra a se aproximar, mas ela sabe as verdadeiras intenções de seu predador. A moral da história é essa: cuidado quando um inimigo dá conselhos de amigo e especialmente cuidado para escolher quem vai ser esse amigo "confessor".

10. Não importa de quem é a casa que está pegando fogo. Se é possível se aquecer com o fogo, assim eu farei! Esse provérbio reflete um pensamento da época, mas também tem espaço na atualidade. Como foi dito no começo deste post, essa fantástica obra tem como reflexo a sociedade da época em que foi produzida, mas tanto tempo depois, será que mudou muita coisa? A expressão pode ser traduzida como: mesmo na miséria do outro, se eu puder tirar alguma vantagem pessoal, irei fazer isso sem peso na consciência. Se aproveitar de um momento ruim para benefício próprio é reprovável, porém, é muito comum. Todos nós conhecemos alguém ou algum caso onde isso aconteceu.
A arte de Bruegel é tão ricamente detalhada que poderíamos analisá-la por muito tempo, através de inúmeras nuances, mas, como isso infelizmente é impossível, escolhemos esses dez provérbios para que vocês conhecessem o que se passa por trás de alguns detalhes. Se vocês leitores gostam desse tipo de conteúdo e querem que a gente continue falando sobre essa ou outras obras de arte, comentem! Precisamos saber da opinião de vocês... E queremos saber também quais desses provérbios vocês já tinham ouvido falar e usam em seu cotidiano!
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FONTES:
ADDIS, Ferdie. A Caixa de Pandora: Curiosas histórias da mitologia por trás de expressões do nosso dia a dia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
ASH, Russel; HIGTON Bernard (orgs). Fábulas de Esopo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1994.
BOVO, Elisabeta (coordenadora). Grande História Universal: O século XVI. Barcelona: Ediciones Folio, 2007.
MARTINS, Simone. Pieter Bruegel, o Velho, 2017. In: História das Artes. Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/proverbios-flamengos-pieter-bruegel-o-velho/>. Acesso em 11/04/2019.
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